terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Into the wild

Aceitei o convite praquele fim de semana muito mais por causa da minha analista que pelos olhos verdes que me olhavam a mais ou menos 1.90m de altura. Eu não poderia mais chegar no consultório dela dizendo que não fui, não fiz ou não qualquer outra coisa. Era dezembro, a gente tem que ser solidário. Daí que fui, com um álibi pra voltar mais cedo, se tudo desse errado, e um álibi pra voltar mais tarde, se tudo desse certo. A matemática da vida é mais complexa, porém, capaz de te oferecer um desastre afetivo tremendo enquanto providencia momentos que qualquer roteirista apreciaria, uma cena pronta de um sitcom que provavelmente nunca vou escrever. O cenário era um rio que corta um vale, e a fala do sujeito foi muito confiante ao tirar toda a roupa e ficar nu em (pouco) pelo: “Nunca vem ninguém aqui.” Não hesitei em dispensar meu incrível maiô e me atirar na água, mais precisamente nos braços do homem. Uma coisa leva à outra, é claro, e rapidamente migramos para a prainha ao nosso alcance, com uma toalha que se provou ineficaz na contenção de areia. Não que alguém estivesse pensando em areia naquele momento. Eu tinha voltado havia poucos dias de uma viagem a Jericoacoara, tinha passado uma tarde inteira aspirando meu apartamento e todos os biquínis e roupas e até o meu próprio cabelo. Em vão, evidentemente. Portanto estávamos ali, na natureza arenosa, estatelados ao sol e ainda um pouco ofegantes, quando ouvimos uma buzina que nos tirou da inércia. O homem não pensou duas vezes e se atirou ao rio outra vez. 

Não era só um carro. Eram cinco. Talvez seis. Já se viam duas mesas de plástico montadas um pouco mais pro lado, na parte da prainha onde as árvores faziam sombra. Coca-cola litrão, carvão, carnes e um pequeno aglomerado de crianças à distância. Tive a impressão de que os adultos as mantiveram ali protegidas da visão dos selvagens nus. Havia um ou dois cachorros e um dos caras mais velhos comentou, quando passei em frente a eles enrolada na toalha a fim de recuperar meu maiô e o short do homem, que podíamos ficar à vontade – mas obviamente não tão à vontade. Joguei o short para os olhos verdes que pairavam fora da água como um jacaré prestes a dar o bote, e àquela altura ele repetia pra si mesmo “que vergonha”, enquanto eu internamente me dizia “que maravilha!”. Ele se vestiu sem sair da água, eu me desenrolei da toalha e fiz o mesmo. Desfilamos diante de toda aquela gente pra irmos embora, à procura de outro pedaço de rio mais tranquilo. Acenei um tchauzinho pros nossos vizinhos, os olhos verdes não acharam nenhuma graça. Era dezembro, sabe como é, a gente tem que ser solidário. Tive a certeza de que aquela foi uma boa noite para todos aqueles adultos, mas nem tanto pra nós dois. Acabamos mesmo voltando mais cedo do fim de semana.